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O protagonismo materno

  • Nicole Quintão
  • 18 de nov. de 2017
  • 10 min de leitura

Você já pensou no significado por trás da expressão dar à luz? A frase funciona como sinônimo de parir, que, por sua vez, tem origem no latim "parere", que significa “expulsar do útero”. Logo, dar à luz é um eufemismo que ameniza e traz encanto à ideia de trazer um ser ao mundo.


A maternidade é uma escolha que cabe às mulheres. Algumas querem ser mães e planejam isso com afinco, outras não planejam, mas se tornam. Ainda há outras que escolhem não exercer esse papel.


Pensando nas que têm em si esse anseio despertado, a ideia de querer ser mãe envolve outras questões e muitas escolhas. Há quem planeja casar e ter filhos; há quem opte por uma produção independente; há quem encare uma gravidez sem planejar nada. O fato é que depois de ter um resultado positivo num teste de farmácia ou através de um exame de sangue, a maternidade traz consigo outras decisões importantes.


Talvez a mamãe de primeira, segunda ou terceira viagem, não importa muito, vai pensar logo: meu Deus!!! Fraldas, roupas, comida, escola, faculdade (ufaa!)... Respira, o bebê ainda está sendo gerado. O que talvez poucas pensem, quando se deparam com a ideia da gestação, é em algo tão importante quanto tudo que vem junto a chegada de um bebê. Sim, a própria chegada do bebê. A via de nascimento da criança.



Um parto pode ser feito de maneiras distintas. Claro, tudo vai depender da saúde e anatomia da mamãe e da forma como o bebê se comporta no útero até o dia que for sair de lá, mas essa escolha é uma decisão bastante importante.


A hospitalização do parto


A ideia de parto normal e cesariana foram se tornando ao longo dos anos as mais conhecidas pelas pessoas, porque o padrão hospitalar segue há anos esses dois procedimentos. A mulher em uma maca, em posição ginecológica é o que costuma compreender-se por parto normal e, caso ela não consiga sucesso nesse meio, a segunda opção é a cesárea, processo cirúrgico, no qual um corte é feito no ventre para retirada do bebê.



Quando o parto normal não era possível, havia ainda a possibilidade que passou a ser chamado de parto a fórceps. Uma ferramenta de ferro, com um aspecto de uma tesoura grande, era inserida através da vagina da parturiente, e o bebê era puxado para fora, o que geralmente trazia danos físicos ao bebê e à mãe. Hoje o fórceps ainda pode ser usado, mas só em situações específicas. É chamado fórceps de alívio, quando o bebê está com a cabeça abaixo do canal de parto.


Depois dos anos 1970 surgiram grupos de médicos e mulheres que questionavam as intervenções cirúrgicas num processo que, na realidade, é algo da natureza humana. A partir daí as formas de nascer passaram a ser repensadas.


O parto humanizado



Soraya Perobelli, coordenadora da Aliança de Mulheres pela Maternidade Ativa (Amma) em Juiz de Fora, explica que o termo parto humanizado foi criado para ilustrar os nascimentos que trazem protagonismo para a mãe. Nesse tipo de parto, a mulher tem liberdade de escolher a melhor posição para conceber seu bebê, ter a presença de acompanhante e doula, além de métodos não medicamentosos para aliviar a dor e a possibilidade de alimentar-se, caso queira, durante o trabalho de parto. Procedimentos que, segundo Soraya, são realizados com respaldo de estudos científicos e que têm como objetivo tornar o momento o mais confortável possível para a futura mamãe e o bebê.


Soraya ressalta ainda que a mulher ser protagonista do seu parto não se trata de um ideal, e sim, da recuperação do direito que lhe foi retirado com a tecnocracia que foi incutida em um processo que sempre foi feminino. “Ter liberdade para escolher sobre o seu corpo, sua posição para parir, ser consultada sobre qualquer procedimento que for realizar em seu organismo, é o mínimo de respeito que se deve ter com um ser humano”, afirma.




Perobelli faz uma analogia com um paciente masculino. Para ela, nenhum homem que entra consciente em um centro cirúrgico terá sua parte genital cortada sem questionar o motivo de estar sendo feito aquilo. Ela acredita que será permitido a ele decidir se deseja ou não a mutilação proposta. “Atualmente, principalmente nas populações mais fragilizadas, que são as mulheres negras, de baixa renda e sem estudo, esse tipo de atendimento é comum. Ela é tratada totalmente sem empatia, cortada, mutilada e violentada de todas as formas, escutando ironias e xingamentos como: 'na hora de fazer não gritou', 'colocou pra dentro tem que sair', entre outros absurdos”, indigna-se a coordenadora.


A enfermeira obstetra Maria Inês Gomes define o parto como um evento fisiológico, um momento de celebração humana, da família, que, na concepção dela, não necessita de tantas intervenções e, portanto, ela defende a prática do parto humanizado. “O momento do parto é inesquecível, quando a parturiente chega, ela é a protagonista, e nós, os coadjuvantes. Ou seja, ela é a mais importante. Vou lutar sempre pelo respeito e pela dignidade durante esse momento”, afirma Maria Inês.


A violência obstétrica


De acordo com uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, 25% das mulheres que tiveram filhos pelas vias naturais (ou parto normal) na rede pública e privada sofreram violência obstétrica no Brasil. A psicóloga Vera Iaconelli disse, em entrevista concedida ao site bebe.com, que muitas mulheres não sabem que foram vítimas de violência, porque estão vulneráveis ali e imaginam, em muitos casos, que estão fazendo procedimentos comuns ao momento do parto.


“A violência obstétrica é todo tipo de ato que tolhe a autonomia da mulher por seu corpo, seu processo enquanto mulher. Seja durante o pré-natal, parto, pós-parto, com falas de diminuição intelectual, ameaças, patologização de processos naturais, negligência no repasse das informações, culpabilização, todo tipo de violência psicológica, moral ou física, praticada por qualquer pessoa envolvida no processo”, explica Soraya Perobelli, coordenadora da Amma JF.


Maria Inês Gomes, enfermeira obstetra, revela que esse tipo de violência acontece diariamente com as mulheres nas instituições. “Elas são violentadas desde a internação, pois não têm seus direitos respeitados. São realizados procedimentos no corpo delas, desnecessários e sem autorização”, conta a profissional de saúde, que diz lhe fazer mal esse assunto por tamanha hostilização.



Carol Calil, mãe de três filhos, diz que sempre desejou o parto vaginal. “Na minha primeira gestação, eu estava com 27 anos e tinha pouca informação sobre gestações ou partos. Sempre expressei minha preferência pelo parto vaginal, e a médica me disse que faria o parto da maneira que eu desejasse, desde que houvesse a possibilidade.” No dia que ganhou o filho, Carol tentou o parto normal, mas foi induzida à cesariana. "Me lembro do sentimento de frustração naquele momento, me senti incapaz de trazer ao mundo um filho da maneira que eu sempre imaginei”, lamenta Carol.​​


Foi em 23 de novembro de 2005, às 20:04h, que nasceu Artur, primeiro filho dela. Carol conta que naquele momento, ela estava tão triste que nem mesmo a chegada do filho tirou por completo a sensação de fracasso, por não ter conseguido conceber da forma como gostaria.


“Até hoje, 12 anos depois, considero que não precisava ter sido submetida a uma cesariana, eu estava em franco trabalho de parto". Para Carol, a ideia do “se estiver tudo bem”, dita por muitos médicos, provoca muito medo nas gestantes, o que pode bloquear o trabalho de parto. “Meu marido tentou me acalmar, me convencendo de que seria necessário salvar a vida do nosso bebê”, compartilha.



Dar à luz em partos humanizados


A alta taxa de cesáreas realizadas pelos hospitais, tanto públicos quanto privados, é uma preocupação no Brasil. A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que o percentual não ultrapasse os 15% por hospital, porém, 43% dos nascimentos no país são por meio de cesarianas.


Na contramão desse índice alarmante, há as mamães que vão à busca de alternativas para o nascimento de seus filhos e filhas.









Lívia Pedroni, mãe de Álvaro, hoje com dez anos, deu à luz ao menino em 16 de junho de 2007. Ela conta que chegou até a casa de parto em Juiz de Fora rindo, brincando, achando que seria tudo bem tranquilo, mas perdeu líquido e as contrações foram ficando descontroladas. “Doeu bastante, viu? Mas o atendimento e acolhimento que tive na casa fizeram toda diferença”, ressalta Lívia. O trabalho de parto durou dez horas e meia, mas Lívia diz que com certeza teria outro filho com esse mesmo procedimento.



Anne, filha da Mirelle dos Santos, nasceu no último dia 01 de Novembro. Mirele revela que chegou a pensar em desistir, porque a dor era muito forte, mas se manteve firme no propósito de dar à luz por parto normal. Relembra que a equipe do hospital foi muito atenciosa e a deixaram, junto ao esposo Fred e a doula no quarto e, vez ou outra, a médica e enfermeiras iam examiná-la. "Estava muito cansada, mas como aprendi com a doula as fases do parto, eu sabia que faltava pouco", conta.


Para Mirelle, era difícil acreditar que tinha conseguido "Ela veio imediatamente para meu colo, mas eu não tinha força no braço e ai Fred - o pai - a segurou comigo, nossa foi maravilhoso! Uma sensação que não cabe em palavra alguma para descrever", emociona-se.


"Senti esse poder que existe dentro de nós mulheres, de suportar a dor e gerar, dar à luz um serzinho maravilhoso. A natureza é perfeita demais", revela.

Carol Calil procurou em sua segunda gestação a mesma médica que fez o seu primeiro parto. Fez todo o acompanhamento com ela, e a médica, como em sua primeira experiência, continuou dizendo que faria o parto normal apenas se estivesse tudo bem. “Cheguei a 39 semanas de gestação, ela me disse que se eu não entrasse em trabalho de parto naquela semana, ela me internaria. Naquele momento, só naquele momento, percebi que ela nunca teve a intenção de realizar meu parto normal, ela estava tentando ajustar o meu parto às conveniências dela", relembra.


Orientada pelas enfermeiras obstetras da Casa de Parto de Juiz de Fora, Carol procurou pela médica Rosely Bianco, que a aceitou como paciente com 39 semanas de gestação.


Ela surpreendeu-se com a parceria da médica, que ficou pelo menos 18 horas das 22 horas que durou o trabalho de parto ao lado dela. "Ela realmente valorizou minha batalha no objetivo de ter o parto normal, sei que até hoje ela utiliza uma foto minha e conta minha história nos cursos de gestante que ela participa”, comenta.


Em 19 de abril de 2008, às 18:55h, Carol deu à luz a Davi de parto normal.


“A experiência deste parto superou minhas expectativas, foi muito melhor do que eu poderia imaginar, eu instintivamente almejava vivenciar o parto, e depois, percebi que foi necessário para mim, me completou como mulher e como mãe." pondera Carol.


Cinco anos após o segundo filho, por já ter vivenciado experiências tão distintas com relação ao parto e mais madura, Carol Calil teria seu terceiro filho.


“Fiquei na minha casa durante a evolução do trabalho de parto, e quando já estava mais adiantada nesse processo, fui à maternidade do Hospital João Penido". Carol diz ter sido recebida com muito respeito e que não precisou cumprir nenhuma exigência burocrática para dar entrada no hospital. "Os profissionais do hospital se adequaram ao meu tempo e, após uma hora que cheguei, depois de dez horas totais de trabalho de parto, no dia 7 de março de 2013, nasceu o Heitor de parto normal, e só então fui preencher a ficha de entrada no sistema do hospital.” conta.


Apesar de definir-se fã do parto humanizado, a mãe de Artur, Davi e Heitor não sente que a via do parto afeta a relação mãe-filho. Para ela, o amor de mãe com o filho independe da gestação ou parto. “Eu acredito que, no meu caso, o parto me completou como mulher e como mãe, porque me trouxe o sentimento de realização no que eu tanto queria e dava importância, e assim, eu me senti plena para exercer a maternidade.”


Mamãe Carol Calil com os filhos.

“Meu parto foi um parto domiciliar planejado. Eu tinha uma equipe durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. Todo material necessário estava ao alcance. Eu era uma gestante de baixo risco e pude fazer esse procedimento. Nem toda mulher pode fazê-lo”, conta Tassia Januário, que é enfermeira e doula. No parto de Tassia estavam presentes duas doulas e duas enfermeiras obstetras, além do pai do bebê e familiares. Ela revela que o processo final do parto, chamado de fase do expulsivo, foi mais demorado. E acredita que, se estivesse num hospital, provavelmente, intervenções desnecessárias teriam sido feitas.



Tassia com o filho Pedro

“A minha experiência de parto foi maravilhosa, foi meu primeiro filho. E isso fez toda diferença pra mim e para o meu filho. Pude ter todas as pessoas que quis presentes nesse momento. Aguardamos até a hora que ele estava pronto para nascer, sem nenhum tipo de intervenção”, relembra.


Tassia enfatiza que parto humanizado não é parto em casa ou na água. A ideia de parto humanizado está ligada à assistência humanizada. Respeito pelas escolhas da mulher para esse momento singular.


Depois que tornou-se mãe, Tassia criou, junto à amiga Bruna, que é farmacêutica, uma página chamada Maternura. Um projeto que tem enfoque na amamentação e nos primeiros cuidados com o bebê. Uma consultoria que presta serviços para mulheres que têm dúvidas e buscam por dicas e orientações quanto a essa fase da maternidade.




Mas e as doulas?


Em um parto humanizado, todos os profissionais de saúde, que fazem parte do quadro num ambiente hospitalar são indispensáveis. E, além dos profissionais de saúde, há também a doula.





E como essas profissionais atuam?



Elas participam de cesarianas?





Para Tassia Januário, enfermeira e doula, a presença da doula em cesarianas não está ligada a poder ou não poder. Mas, na concepção dela, não fará muito sentido, que uma mulher que quer a cesariana, ou seja, que já sabe que fará o processo cirúrgico, tenha uma doula. Já que a profissional faz um trabalho de apoio emocional para mostrar que a gestante é capaz de protagonizar o processo de trazer o filho ao mundo. Portanto, Tassia entende que a função da doula não seria, talvez, muito necessária. Mas, ela deixa claro, que há mulheres, que sim, procuram doulas para cesarianas eletivas. "Eu costumo dizer que gestantes que procuram a doula para cesáreas talvez não entendam, de fato, o papel da profissional”, reflete.


“Agora, se a doula está acompanhando uma mulher que planeja um parto normal e, por algum motivo, essa mulher precisou passar pela cesariana, é diferente. O pós-parto dessas mulheres pode ser complicado, muitas vezes, pelo sentimento de frustração. A doula será importante nesse processo. Será um trabalho contínuo”, completa Tássia.


Mirelle dos Santos, que procurou o hospital João Penido para o nascimento de sua filha Anne, conta que ela e Tatiana, a doula, criaram um vinculo muito bacana e essencial para o momento do nascimento. "Tati fez a consultoria desde o início de forma bem ligada a atender meu emocional, o que me fez sentir muita confiança e segurança nela e em mim quanto ao parto", ressalta.


Carol Calil, que experimentou vias de nascimentos distintas em seus três partos, conta que não teve a presença da doula, mas enxerga a grande importância dela, principalmente para auxiliar a mulher a se sentir bem, pois conhece a gestante mais profundamente, conhece seus desejos e poderá auxiliar para que estes sejam respeitados e, principalmente, por conhecer manobras e posições que facilitem o trabalho de parto, diminuindo bastante os desconfortos sentidos pela parturiente.


O trabalho de uma doula é contínuo. Antes, durante e depois do parto. Isso significa um custo. "Infelizmente vivemos em um grupo de pessoas privilegiadas e que podem dispor deste valor para arcar com esse tipo de atendimento, mas todas as doulas estão abertas para negociações sobre a forma de pagamento", explica Soraya Perobelli. A coordenadora da Amma JF espera e crê no dia em que todas as gestantes terão acesso a esse atendimento. "Não conheço uma mulher que tenha se arrependido de optar por um enxoval menos luxuoso para arcar com a presença de uma doula no momento do nascimento de seu filho", conta Perobelli.



 
 
 

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