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Alimentados ou envenenados?

  • Nicole Quintão
  • 8 de nov. de 2017
  • 7 min de leitura

A alimentação é o combustível de um corpo saudável, mas o que é realmente se alimentar bem? Muitos confundem isso com comer muito, mas a questão não tem a ver com quantidade de comida, mas sim com a qualidade dela.


Um prato colorido, recheado de verduras e legumes, é um martírio para muitos. O jiló, por exemplo, coitado, tem uma péssima reputação. Mesmo quem nunca experimentou, muitas vezes, nem pensa em ter essa experiência. Outro subjugado é o chuchu, pra muitos é um “sem graça”. Convenhamos, adjetivar alimentos talvez faça sentido, mas, será que estamos usando os critérios certos para isso?

Dizer que algo é bom ou ruim pode ser relativo, pois gostar ou não gostar de algo é uma sensibilidade bem individual. Talvez o ideal seja caracterizarmos o que comemos entre saudável e não saudável.

"Através dos diferentes tipos de alimentos consumidos são ofertados ao organismo nutrientes necessários, fornecedores de energia, proporcionando a manutenção e reposição nutricional para o funcionamento eficiente de cada sistema do corpo". Thirza Nicácio, nutricionista.



O valor nutricional do que comemos é o que pesa na balança na hora de definirmos se é saudável ou não. Você provavelmente já ouviu o ditado: “Você é o que você come”. A máxima revela que o modo como nos alimentamos diz muito sobre nós e sobre nossa saúde. O que comemos se reflete em nosso dia a dia.


Mas o que levamos pra casa?


Se estamos em uma banca na feira ou na seção de hortifruti de um supermercado, é comum colocarmos os sentidos a postos. Olhamos, tocamos, cheiramos, tudo para verificar a validade do produto. Uma fruta ou verdura de cor viva, grande e cheirosa vai aguçar nossa vontade de levá-la. Somos criteriosos na escolha, ninguém vai querer levar pra casa algo que aparenta estar estragado ou cheira mal.


Os sentidos ajudam muito na hora dessa escolha, mas, antes de chegar à feira, os produtos expostos ali passaram por um processo que, normalmente, fica esquecido quando nos deparamos com os alimentos ao alcance das mãos.


Saber de onde veio aquele alface tão verdinho, a goiaba tão bonita ou aquela maçã tão brilhante, que parece mais ter saído do filme da Branca de Neve, não costuma ser uma preocupação frequente. O problema é que a aparência externa dos alimentos pode esconder uma produção que usa substâncias nocivas para a saúde. Nossos sentidos não darão conta delas, mas, elas podem ter sido usadas no processo de cultivo de grande parte da salada que vai parar na sua mesa.


Defensivos Agrícolas


Os agrotóxicos são compostos que surgiram durante a Primeira Guerra Mundial e foram utilizados como armas químicas. Terminada a Guerra foi descoberto o potencial inseticida de tais substâncias. No Brasil, os agrotóxicos chegaram na década de 1960. Hoje, segundo estudo, divulgado pelo INCA em parceria com a consultoria Phillips McDougall, o país é o maior consumidor da substância, que funciona como um controlador de pragas. Porém, o uso desenfreado dos compostos afeta o valor nutricional de frutas, legumes e verduras. Os consumidores levam para casa um produto aparentemente saudável, mas, quimicamente contaminado. Um mal silencioso contra a saúde.


A nutricionista Thirza Nicácio diz que o uso de agrotóxicos é prejudicial à saúde humana e animal, caso a dosagem da substância exceda ao valor aceitável. Nicácio acredita que para evitar o mau uso é necessária uma instrução para os produtores. “Sem um treinamento eficiente por todo o país, e o uso contínuo e excessivo do agrotóxico, há risco para toda a população" afirma.


No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), os agrotóxicos são a segunda causa de intoxicação, ficando atrás apenas dos medicamentos. No início do ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou uma lista de produtos de origem vegetal considerados saudáveis pelos consumidores, mas que exibiram alto nível de contaminação em testes realizados pela agência.



Pimentão lidera a lista com maior teor de agrotóxico.

Esperança na produção orgânica

Na contramão da produção sob as borrifadas de pesticidas, que movimenta o agronegócio no país, há quem invista na agricultura orgânica, tipo de cultivo que é livre de agrotóxicos. As fases de produção são baseadas em passos que garantam a sustentabilidade. Desde o manejo do solo até a irrigação dos produtos, tudo é pensado para manter a fertilidade da terra e garantir a biodiversidade do local.


O juiz-forano Marcelo Mendonça, após um tempo morando na Inglaterra, impressionou-se com o valor que os europeus davam aos alimentos orgânicos. De volta ao Brasil, ele foi caminhar nas propriedades do pai em Juiz de Fora e, inspirado pelos valores da produção lá de fora, percebeu que era necessário fazer algo para resgatar a produtividade e o ambiente da fazenda.

A definição do termo orgânico, segundo Marcelo, está para além do fato de ser livre de agrotóxicos. Há uma relação de respeito com o alimento, com a terra e com a semente. Respeito com a natureza de uma forma geral. Uma preocupação com o bem estar daqueles que vão consumir os alimentos produzidos. Há um orgulho em produzir dessa forma e é o que o empresário tem feito em sua fazenda.

Mendonça criou uma estratégia interessante em sua propriedade. Por lá o consumidor pode ter a própria horta, a ideia é incentivar que as famílias participem da produção dos alimentos que vão consumir de uma forma prazerosa, descontraída e até mesmo recreativa. “Alugamos canteiros em nossa horta. Além do espaço físico, disponibilizamos sementes, mudas e ferramentas para a preparação e plantio do alimento, que pode ser feito apenas nos finais de semana. Garantimos os cuidados necessários durante a semana ou nos dias em que a família produtora não puder estar presente”, explica Marcelo.



A Nutricionista Ludmara Zimmermann diz que há uma perda considerável no valor do alimento com o uso do agrotóxico. A concentração de minerais e vitaminas em alimentos não orgânicos é afetada. “Quando um alimento recebe uma proteção agrotóxica, a natureza do alimento entende que não há necessidade de formar fitoquímicos – substâncias antioxidantes que fornecem cor e proteção contra pragas e, que no nosso organismo, atuam como fatores antienvelhecimento, por exemplo – logo, o alimento não orgânico, além de ter veneno, é pobre para nutrir o corpo”, afirma.


Em prol da saúde


“O único caminho que me parece viável para manter uma qualidade de vida neste planeta é a agricultura sustentável, pois engloba a agroecologia e a agricultura orgânica e biodinâmica. Há que se ter coragem para tal desafio. Coragem e vontade política”. Ludmara Zimmermann, nutricionista.

Zimmermann ressalta o desperdício de alimentos e o consumo de carne per capita como práticas que deveriam ser reavaliadas. Na concepção dela, o Brasil precisa passar por um processo de reeducação alimentar, o que só seria possível por meio de políticas públicas.

A nutricionista diz que a capacidade produtiva do país está comprometida, já que há um esgotamento dos recursos naturais. Não somente a terra vem sofrendo com o plantio, mas também faltará água se mantivermos a monocultura expressiva que ocorre em solo brasileiro. Para ela, o cultivo orgânico e respeitoso com o meio ambiente é a saída deste cenário. Além da biodiversidade afetada, Zimmermann ressalta que nós também estamos expostos à essa agressão.



“Na minha prática clínica percebo um esgotamento físico enorme, uma diminuição da capacidade produtiva do ser humano. Estudos já são conclusivos em nos mostrar que o consumo de agrotóxicos está diretamente relacionado com aparecimento de doenças como câncer e até mesmo infertilidade”, revela Ludmara.


Mogico


O coletivo MOGICOMonte de Gente Interessada no Cultivo Orgânico – surgiu em Juiz de Fora no ano de 2012. “Um grupo de pais e amigos da Escola Paineira Waldorf, em busca de formas para alimentarem-se melhor, iniciaram uma espécie de compra coletiva de itens orgânicos. Depois vieram os encontros com produtores orgânicos”, conta Ludmara Zimmermann, nutricionista do coletivo. Ludmara, que revela sempre ter admirado a coragem de quem assume um plantio orgânico, integra o Mogico desde 2015, ano em que se mudou para a cidade. Honrada por fazer parte do grupo, o define como formado por pessoas preocupadas com a saúde de um, de todos e da terra.


Mogico - Reprodução Facebook


Produtos certificados

O Mogico é certificado por um processo denominado "certificação participativa" onde todos os membros são responsáveis por validar a produção um do outro. É uma parceria enorme e também uma responsabilidade, pois se um membro não cumprir com as condicionalidades que determinam o cultivo orgânico, todo o grupo sofre uma penalização. É um processo dinâmico, que Ludmara entende como o mais eficiente para a certificação.


O empresário Marcelo Mendonça, produtor de orgânicos, filiado ao Mogico, já possui o seu certificado graças a uma redução significativa nos custos, devido a forma como o processo ocorre dentro do coletivo. Segundo ele, as auditorias são feitas por integrantes associados, altamente comprometidos com a causa. Que além das visitas de verificação e checagem, também fazem visitas para renovação ou não do certificado. “O alto custo da certificação pode desestimular ou até mesmo inviabilizar aqueles produtores pequenos que exercem um excelente cultivo, mas não conseguem se colocar no mercado, o que no final acaba afetando o consumidor, que fica com menos opções e deixa de consumir produtos de boa qualidade”, ressalta Marcelo.


Orgânicos no Brasil


Segundo dados do Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), com base nas vendas no varejo e produção orgânica, o mercado nacional de orgânicos cresceu 20% em 2016, com faturamento estimado de R$ 3 bilhões.

O mercado está em crescimento, mas ainda há um longo caminho pela frente. É um avanço a passos lentos. Uma crítica que se faz a esse tipo de produção é a sua incapacidade de alimentar o planeta. Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura, em entrevista concedida à revista Carta Capital (leia a matéria na íntegra) , disse que o mercado de orgânicos no Brasil não está sendo empurrado por empresas que tentam vender um produto mais saudável, mas pelo consumidor que está mais preocupado com a sua saúde.


“Apesar de estamos engatinhando, com uma produção e um consumo de produtos orgânicos modestos, seu crescimento é inevitável e claramente percebido por todos”, afirma Marcelo Mendonça.


Infelizmente, no país, o incentivo ao uso do agrotóxico ainda é o carro chefe. O produto é isento de impostos, ao passo que os gastos com a produção orgânica ainda se reflete no bolso do consumidor final. O cultivo é pouco expressivo, se considerarmos a larga produção com proteção agrotóxica. Segundo dados da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura), os agricultores familiares são responsáveis por cerca de 70% da produção orgânica brasileira. O fato é que há uma demanda, consumidores e produtores preocupados em adquirir qualidade de vida.


Para Marcelo, o retorno financeiro é, claro, um meio necessário mas nunca será o fim da ideologia por trás do cultivo orgânico. “Sem falsa demagogia, o foco é proporcionar um mundo mais sustentável e melhor para todos, e é essa convicção que nos fortalece, somos poucos e fracos, mas com convicções suficientemente fortes para enfrentar a indústria de agrotóxicos”, confia o produtor.




“Eu me arriscaria a dizer que essa forma natural de produção de alimentos é, em muitos casos, mais barata que o cultivo convencional, na medida que usamos insumos disponíveis na natureza. No entanto, o que encarece o produto é a baixa produtividade e o alto emprego de mão de obra.” Para o produtor, uma maneira eficaz de diminuir custos é utilizar o e-commerce - método de venda não-presencial, eletrônico. Segundo ele, essa diferença pode ser facilmente eliminada na medida que excluir a figura do atravessador e seus exorbitantes lucros, criando uma relação justa entre produtor e consumidor.




 
 
 

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