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Geração de ansiosos

  • Nicole Quintão
  • 30 de out. de 2017
  • 7 min de leitura

A ansiedade é um sentimento, uma reação natural do corpo quando estamos frente a um perigo real. Uma ferramenta humana para autopreservação. Até esse momento é normal, apenas um incentivo para uma ação. Ela traz reflexos físicos, como suor, palpitação, frio na barriga. Se o indivíduo identifica o gatilho de sua ansiedade e faz o que é preciso fazer, a situação se normaliza. Estamos vendo uma ansiedade proporcional e, portanto, produtiva.

O problema é quando esse processo ansioso começa e não se sabe o que o desencadeou. Ou mesmo que saiba, o indivíduo não consegue controlar-se. Tal ansiedade é categorizada como patológica. Uma sensação de agonia mental e física, que tende a se agravar se a pessoa não achar meios de se acalmar.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 33% da população mundial sofrem de ansiedade. O Brasil lidera na América Latina e no mundo, com 9,3% da população com algum tipo de transtorno. E a organização estima que 5,8% das pessoas no país são afetadas pela depressão, o que nos coloca em quarto lugar com a maior prevalência do problema.

As faces da ansiedade

Como vimos, a ansiedade se manifestar é normal. O problema é o que fazemos a respeito dela. Negligenciá-la pode significar a evolução para um problema mais grave, outros transtornos, entre os quais temos: síndrome do pânico, transtorno compulsivo-obsessivo (TOC), estresse pós-traumático e fobias, que afetam os relacionamentos sociais, a ponto de inviabilizar e estagnar a vida como um todo.

De acordo com o psiquiatra Laerte Barbosa, a gênese da ansiedade está em conflitos emocionais que vão ocorrendo ao longo da vida, desde a infância.

“Sempre me considerei uma pessoa ansiosa. Desde criança, na escola, durante o ensino fundamental e médio, e também na faculdade. E agora no mercado de trabalho. Mas acho que, mais do que se considerar ansioso, o importante é perceber que aquilo não está fazendo bem” Ailton Concolato, 26 anos

Ailton se reconhece como uma pessoa naturalmente controladora. Muito metódico, tudo que quebra a rotina tende a deixá-lo apreensivo. Ainda assim, é consciente de que está sujeito a passar por algo que não espera, mas confessa que isso o deixa mais agitado.

No ano passado, percebeu que sua ansiedade estava prejudicando seu desempenho profissional. Recebeu uma proposta no trabalho, mas a ansiedade o impediu de aceitar. Num novo emprego, em outra cidade, ele passou a sentir-se mal e estressado com frequência. Toda tensão durante esse período o fez ver que era necessário um tratamento.

A irrealidade online

Abraço fantasma! Você não pode senti-lo, mas ele está lá!

Antes de procurar ajuda médica, Ailton percebeu também o quanto as redes sociais o deixavam mal. Offline há quase um ano, ele desativou os seus perfis na internet, e isso é algo que em alguma medida o ajuda nesse processo contra a ansiedade.

“Nas redes a gente vende uma imagem romantizada. Mostramos a felicidade, o que é bonito, os pratos e lugares mais chiques. Não mostramos nosso dia-a-dia, nossa cara limpa. Então eu preferi me ausentar. Me permiti um anonimato. Um anonimato que eu gosto. Privacidade é algo que esquecemos.”

Ailton Concolato, 26 anos

Ele diz sentir falta de algumas coisas engraçadas a que tinha acesso nas plataformas, mas está satisfeito. Quem precisa saber da vida dele, os amigos a quem ele deve satisfações, ele liga, encontra-os pessoalmente, mantém contato e isso é o que importa.

Hoje, Ailton enxerga o uso das redes sociais como uma superexposição desnecessária, que causa certo sofrimento nas pessoas. Na opinião dele, há uma tendência a comparar a vida, no âmbito profissional ou pessoal, uns dos outros através desses meios. Meios em que são criadas realidades paralelas. A busca por curtidas e comentários gera uma ansiedade. Além de ser um meio com o qual gastamos um tempo, tempo não produtivo.

“Se você curte a foto de fulano, você espera que o fulano curta a sua. Há uma política de boa convivência na internet, que, quando não é cumprida, faz o outro sofrer. O ‘troco likes’ é uma moeda de troca. A popularidade da nossa vida passou a ser mensurada por esses likes” Ailton Concolato, 26 anos

Thaís Muniz, estudante de psicologia, apesar de fazer uso das redes sociais, concorda que elas funcionam como um meio de comparação entre as pessoas. “A vida "perfeita" de todos é exposta, acabamos nos comparando, e nos rendendo às exigências impostas pela sociedade. Preciso ter e fazer para me sentir bem - é o que muitos pensam”, ressalta Thaís.

As pressões de uma vida acadêmica

“Estou na UFJF há sete anos. Me formei em ciências humanas e estava cursando turismo. Quando vi que não era o que queria, decidi pelo jornalismo. Pensar no mercado de trabalho é tenso, mas não me deixa tão aflita. Sempre trabalhei e corri atrás. O que penso é no vazio que vai ficar depois que sair da universidade” Hágatha Guedes, 24 anos.

Hágatha está na reta final da faculdade e, em tempos de trabalho de conclusão de curso (TCC), a ansiedade aparece. Alguns podem até considerar um incentivo, mas a estudante, que também trabalha, não avalia o sentimento como positivo no seu caso.

Conta que sofreu com crises de ansiedade na infância. Depois dos 10 anos de idade elas pararam, após um longo tratamento com psicólogas. Em 2008, teve um grave problema de saúde, o que acarretou um período depressivo. Hágatha então passou a fazer uso de medicamento. Em 2016, sofreu um atropelamento e novamente as crises vieram. "Hoje, vencer a ansiedade e a depressão são lutas diárias. Uma batalha incansável", afirma.

O peso de um diploma

Ailton Concolato é graduado em cooperativismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mas hoje não trabalha na sua área de formação. A expectativa era conseguir um emprego e se estabilizar, mas as coisas não aconteceram como planejado. "Eu não fiz o curso mais cotado da universidade, mas eu carrego o peso desse diploma. Isso foi frustrante, mas, por outro lado, me fez enxergar que colocamos um peso no fato de estudar em uma federal, o que aumenta as expectativas das pessoas e a nossa. E, no fim das contas, isso não significa muito."

A formação acadêmica é importante, mas, talvez seja necessário repensarmos o quanto a busca por titulações nos distanciam de quem somos. Ailton considera que um título, infelizmente, infla o ego de muitos, o que torna a academia um lugar de pessoas que, talvez sem perceber, se distanciam dos demais, sem saber que o ego se fez maior do que as relações interpessoais. Após as crises, Ailton reflete sobre sua postura, enquanto acadêmico.”A gente costuma colocar quem está na federal num pedestal. Como se fosse o supra sumo social. Essa é uma carteirada que você dá, numa roda de amigos que não estudam na mesma instituição que você. Mas a vida é muito mais complexa que isso, muito mais que um campus universitário.”

O peso das escolhas

A todo momento fazemos escolhas. Escolhas que começam cedo. Passamos a escolher o que vestir, o que comer, o que beber. A cada fase, cada escolha tem um peso. Decidir que curso fazer, com quem se relacionar, são muitas decisões importantes em um curto espaço de tempo. Escolher o que é o melhor ou que é certo é sempre uma dificuldade, pois cada vez mais cedo essas escolhas são necessárias, e nem sempre estamos maduros para fazê-las, mas há quem se sinta motivado ao sentir-se ansioso.

É o caso de Nubya Costa, 17 anos, estudante do segundo ano do ensino médio, vai fazer a segunda fase do Pism e está com uma ótima expectativa para a prova. Prestes a encerrar um ciclo, a menina diz que está ansiosa por ser o último ano no colégio, mas procura se distrair lendo e visitando as redes sociais. Em casa, Nubya não se sente pressionada pelos pais, ela encontra apoio neles. “Me sinto livre para escolher o que for melhor para meu futuro”, comenta.

Thaís Muniz, 30 anos, estudante de psicologia, prestará o Enem para tentar a bolsa integral do Prouni - hoje ela conta com 50%. Ela não se considera uma pessoa ansiosa, mas, enxerga como positiva o sentimento às vésperas da prova. “Entendo que uma 'pitada' de ansiedade é boa, nos coloca mais alertas e ativos.”, menciona.

Um comprimido ao deprimido

Apesar da crise financeira vivenciada no Brasil, de acordo com uma pesquisa feita por uma seguradora, em seis anos cresceu 74% o número de antidepressivos adquiridos pelos segurados. Foram 35.453 unidades em 2010 contra 61.859 em 2016. Sendo que o uso é maior entre as mulheres e idosos. O aumento vertiginoso revela que vivemos em um país deprimido. Para o psiquiatra Laerte Barbosa esse aumento também nos mostra o poder da indústria farmacêutica.

"Quando a ansiedade já está em um nível que provoca desconforto ou limitações, só vai melhorar com tratamento. Nesse caso, a terapia tem uma boa indicação pra que no futuro a pessoa não se sinta mais ansiosa" ressalta, Laerte.

Ailton Concolato procurou um psiquiatra e hoje toma medicação e vem sentido diferença. Ele diz não sentir-se mal por estar em tratamento, já que é algo que tem feito bem a ele. Aconselha que os ansiosos busquem ajuda, seja medicamentosa ou não. Cada paciente é um e o tratamento será distinto. Concolato, por exemplo, contou que, no caso dele, o médico descartou a terapia.

Para a acadêmica Hágatha Guedes, o uso de medicação também foi importante, mas ela compartilhou com a gente as técnicas que aprendeu e a auxiliam durante as crises.

Bernard Rangé, um psicólogo especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, estruturou alguns passos para conseguir lidar melhor com a ansiedade. A estratégia é conhecida como ACALME-SE. Veja como fazer:

Existe também uma música, considerada por pesquisadores da Mindlab International no Reino Unido, após estudos com grupos de voluntários. Ao ouvir a melodia houve uma redução de 65% na ansiedade global dos participantes e uma redução de 35% em suas taxas fisiológicas normais de repouso. Escute e relaxe:


Tabu Social

Falar de doenças mentais ainda é um assunto delicado. Infelizmente, o receio dificulta a procura por tratamento. Para o psiquiatra Laerte Barbosa, apesar de perceber que houve uma melhora nesse sentido, para muitos, ainda é incômodo admitir o transtorno. "As pessoas não se sentem à vontade para dizer que estão indo ao psiquiatra", confirma.

Esse temor se justifica se pensarmos em como pesamos de maneira distinta as doenças físicas e as mentais.

A síndrome do pensamento acelerado talvez seja um reflexo da vida acelerada que levamos. Quem nunca ouviu ou disse a frase: “Nossa, queria que meu dia tivesse mais de 24 horas!”. São muitas funções e afazeres aos quais nos dedicamos ou será que temos usado mal nosso tempo? Isso nos leva a uma outra questão: Seria a ansiedade patológica um problema geracional?

O psiquiatra Laerte Barbosa, não enxerga a ansiedade como um problema dessa geração. Para ele, em outras épocas, que até considera mais difíceis que a atual, já existiam os ansiosos. Porém, na concepção de Barbosa, as informações demoravam mais a chegar, as pessoas tinha mais contato com a natureza, enquanto nós somos bombardeados por notícias instantâneas, informações demais; antes não era assim, e era comum aguardar as coisas pacientemente.

Parece, que em tempos de comida congelada, macarrão em três minutos, correspondências recebidas e respondidas em frações de segundo, desaprendemos o sentido da palavra esperar. A espera é exercício de paciência, que por sua vez é sinônimo de calma, o freio que anda falho, desproporcional para manter corações que andam sempre tão acelerados.


 
 
 

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