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Gênero e preconceito: a polêmica sobre o vídeo da UFJF

  • Caio Gonzaga
  • 19 de out. de 2017
  • 7 min de leitura

Um vídeo produzido pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) no qual uma drag queen entrevista crianças no Colégio de Aplicação João XXIII está sendo alvo de uma providência protocolada por um conselheiro tutelar ao Ministério Público Federal.

Gravado em comemoração ao Dia das Crianças, o vídeo faz parte do quadro “A Hora do Lanche” e compõe a programação da Diretoria de Imagem Institucional na página da instituição no Facebook e em seu canal no YouTube.

No vídeo, publicado na véspera do feriado, a drag queen Femmenino, montagem do aluno de Artes e Design Nino de Barros, pergunta as crianças do colégio o que elas gostariam de ganhar no Dia das Crinças.

A polêmica gira em torno de 15 segundos do vídeo quando Femmenino recebe a resposta de duas garotas que queriam uma boneca e de outro menino que queria um boneco do Pòkémon.

A fala da drag queen às crianças gerou reclamações por alguns pais de alunos, pelo Conselho Tutelar de Juiz de Fora e pelo grupo “Direitas Já”, que apoia o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ).

Na segunda-feira, 16, o conselheiro tutelar, Abraão Fernandes, protocolou um ofício junto ao MPF para que seja verificada a conduta da drag queen e do Colégio de Aplicação João XXIII. Segundo ele em seu perfil no Facebook, o trecho do vídeo fere o artigo 22º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Plano Municipal de Educação de Juiz de Fora ao levar apologia às crianças sobre “discussão de ideologia de gênero”. Abraão afirma que o vídeo acaba “ferindo de morte um dos direitos fundamentais dos pais e responsáveis”, ao forçar os pequenos a desconstruir o que lhes foi ensinado pelos pais. Além disso, o conselheiro declara que a drag queen, Femmenino, debocha e coloca de forma pejorativa a família brasileira ao brincar no vídeo “vai toma, família tradicional brasileira!”. O conselheiro tutelar foi procurado pela nossa equipe de reportagem para esclarecimentos, porém até o fechamento desta edição o mesmo não se manifestou.

A UFJF afirmou ao jornal O Tempo que que não houve nenhum equívoco por parte da drag queen e que trechos do vídeo foram distorcidos e geraram interpretações precipitadas.

Tanto a Universidade quanto o Colégio, se posicionaram publicamente. Em nota, o Colégio João XXIII declarou que “educar para a diversidade significa o estímulo ao reconhecimento de que somos diferentes, e de que respeitar as diferenças, sejam elas quais forem, além de não significar adesão a essas diferenças, é a alternativa para construirmos uma sociedade mais fraterna e tolerante.” A instituição afirmou que se orgulha e opta pela diversidade em seu espaço e isso é expressado desde o ingresso do aluno por um método de sorteio público. “Não faz sentido diversificar na entrada para padronizar depois. Portanto, pedagogicamente, o tema da diversidade faz parte do projeto educativo defendido e praticado pelo Colégio”, diz a nota publicada nos sites da UFJF e do Colégio.

Instituições como a Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) e sindicatos da cidade manifestaram apoio público à UFJF e ao Colégio João XXIII.

Identidade de gênero, sexo biológico e orientação sexual

As questões que compõem a sexualidade do ser humano tem sido pauta de discussão em diversos momentos nos últimos anos assim como educação de crianças e censura. A recente polêmica da performance “La Bête” no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, trouxe a tona as discussões sobre pedofilia e censura.

A palavra “gênero” foi usada nesse contexto pela primeira vez em 1955 pelo psicólogo John Money. Posteriormente, a filósofa Simone de Beauvoir contribuiu para o tema e adicionou pensamentos sobre a construção social - a frase “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, citada no Enem 2015, é um exemplo do trabalho da filósofa - e identidade de gênero.

A princípio de entendimento, entende-se que gênero é diferente de sexo biológico e que, por sua vez, é diferente de orientação sexual.

  • Identidade de gênero: diz respeito ao gênero com o qual o ou a individua se identifica (masculino ou feminino). Há quem se veja como homem, mulher, os dois ou até nenhum dos dois, ou seja, os não binários.

  • Sexo biológico: é a definição da combinação dos cromossomos com a genitália, ou seja, define se o ou a indivídua nasceu macho (XY) ou fêmea (XX).

  • Orientação sexual: diz respeito a qual gênero/sexo o ou a indivídua sente atração sexual/amorosa. Podemos dizer que há heteressexuais, homossexuais, bissexuais entre outras muitas possibilidades.

E onde entra a drag queen no meio disso?

Drags são artistas performáticos que se vestem com roupas femininas, geralmente exageradas, independente do seu gênero ou orientação sexual. Muitas, ao se montarem, carregam um discurso critico-político-transformador.

Repercussão nacional

Após três dias da publicação, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) replicou uma versão editada do vídeo em sua página do Facebook, inserindo tarjas pretas com os dizeres “Prestem atenção na canalhice que estão fazendo com nossas crianças” seguida da legenda “Em 2010 levantei-me contra isso. Qual a sua opinião?”.

Com a repercussão nacional, a página da UFJF se posicionou na rede social.

“Prezados e prezadas, apreciamos a discussão de ideias. As manifestações a respeito do vídeo certamente serão objeto de discussão e análise pelos responsáveis. Mas comentários homofóbicos, que contenham palavrões, injúria ou firam a política de comentários da página serão excluídos. Temos cópia de todos eles para não haver dúvidas sobre o procedimento adotado, como a exclusão das manifestações ‘tem de fuzilar’, ‘poderia jogar gasolina no próprio corpo’. #VaiTerDragSim.”

Nino de Barros, que dá vida a drag queen, postou um vídeo na página da Femmenino, respondendo às críticas e explicando o ocorrido. No vídeo de quase 10 min, ele conta que a sua fala no vídeo se direcionava aos tipos de brinquedos para crianças, que culturalmente são classificados por gênero. “Não existe gênero! Tudo é pra todo mundo. Não tem essa coisa de isso é pra menino, isso é pra menina”, diz a drag.

Femmenino

Nino de Barros é estudante do Instituto de Artes e Design (IAD) e atua como bolsista na Diretoria de Imagem Institucional. Foi neste ano que o artista assumiu a apresentação do quadro “A Hora do Lanche” e mudou o formato.

Em entrevista exclusiva ao Manda News, ele contou que imaginava que o vídeo teria esta repercusão, mas não que ele seria vítima de jogo político “de direita”.

Nino também ressalta que as pessoas acharam que a iniciativa do vídeo não é pensada, quando na verdade tudo é planejado e aprovado com antecedência.

O artista conta qual a mensagem que sua arte pretende passar.

Apoio das organizações e cidadãos

Algumas entidades manifestaram apoio à UFJF, ao Colégio e ao Nino após a denúncia ao MPF.

As Comissões de Direitos Humanos e Cidadania da OAB/JF e de Defesa dos Direitos das Crianças, Adolescentes e Jovens da OAB/JF afirmou em nota que as discussões de gênero nas escolas contribuem para a desconstrução do machismo.

“...Omitir-se quanto aos domínios inteiros da vida, quanto à diversidade que marca as vivências humanas é uma escolha, ideológica (na medida em que não há neutralidade), perigosa, ofensiva ao pluralismo, ao direito de aprender a partir de variadas perspectivas”.

A jornalista e mãe, Naila Portela, contou que ao assistir o vídeo o que chamou sua atenção foi a forma como as crianças interagiam e se divertiam com o Femmenino de forma natural. “Depois de assistir, eu chamei o meu filho para ver junto comigo e esperei a reação dele. As crianças do vídeo tem mais ou menos a mesma idade que ele, 8 anos. Ele teve a mesma reação das crianças do vídeo!”. Naila conta que seu filho encarou de forma muito espontânea.

Confusão na Câmara Municipal

Centenas de manifestantes lotaram o Palácio Barbosa Lima na última terça-feira, 17. Na reunião ordinária, os movimentos sociais, estudantes, mães e partidários fizeram barulho no plenário da Câmara com o objetivo de pressionar pela não aprovação das moções de repúdio apresentadas na segunda (16) pelos vereadores José Fiorilo (PTC) e André Mariano (PSC).

Manifestantes lotam a Câmara. (Imagem: Caio Gonzaga)

A reunião tumultuada, inclusive com casos de violência relatados, foi encerrada antes do previsto. Rodrigo Mattos (PSDB), presidente da câmara, chegou a interromper a sessão por quinze minutos a fim de tentar acalmar os presentes no Palácio Barbosa Lima.

Mariano, autor da moção, afirmou em sua fala que não concordava com o vídeo e que este trouxe muita indignação para várias famílias. Entretanto, o vereador retirou a moção temporariamente por pressão da casa e por entender que deverá existir um diálogo mais profundo com a UFJF e o colégio.

“Em respeito aos vereadores, retiro a moção temporariamente e aguardo que seja feita uma discussão com pais e professores”.

Durante a plenária, o vereador Roberto Cupolillo (conhecido como Betão, PT) anunciou no microfone que o conselheiro tutelar responsável pelo ofício ao MPF, Abraão Fernandes, foi acusado de racismo pela estudante Mariana Martins e o caso será investigado pela Polícia Civil que abriu inquérito contra o conselheiro. O conselheiro esteve presente no início da plenária, cercado de um grupo de direita, mas deixou a câmara logo após a remoção da moção. Abraão chegou a provocar os movimentos contrários e saiu rechaçado da câmara aos gritos de “fascista”.

Uma membra do grupo “Direitas Já”, identificado como Roberta Lopes, discutia aos gritos com a maioria dos manifestantes e transmitia toda a plenária ao vivo no seu perfil do Facebook. Durante um momento de confusão e embates corporais, Roberta está sendo acusado de chutar a perna do adolescente Ícaro Renault. A mãe, Débora Renault, contou que vai abrir Boletim de Ocorrência contra Roberta, caso as câmeras de segurança confirmem a agressão.

Nota do João XXIII

Ao mesmo tempo em que ocorreu a plenária para votação das moções de repúdio na Câmara, o colégio divulgou sua nota oficial a respeito do vídeo. O vereador Roberto Cupolillo (conhecido como Betão, PT) leu a nota na íntegra durante a sessão enquanto os manifestantes contrários à moção aplaudiam e gritavam a favor da diversidade nas escolas. Leia a nota na íntegra clicando aqui.

Próximos passos

O Diretor de Imagem Institucional da UFJF, Márcio Guerra, afirmou que o programa “Na Hora do Lanche” irá continuar a ser veiculado normalmente na página da instituição, mantendo o mesmo formato e apresentação.

“Se o Ministério Público acatar esse pedido, vamos responder na hora certa”, afirma Márcio.

Na tarde de ontem, 18, Rodrigo Mattos se reuniu com o reitor da Universidade, Marcus David segundo notícia divulgada pelo portal da UFJF. Na ocasião, Mattos pediu ao reitor que enviasse um grupo especializado da UFJF e do Colégio João XXIII para esclarecimentos sobre a projeto pedagógico do curso aos vereadores da cidade. David disse que, após discussão interna, vai tentar viabilizar o encontro.


 
 
 

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